quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Como Conheci o Amigo Iraquiano de Niemeyer.

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// Crônica publicada no jornal Folha de Tiête, interior de São Paulo em algum dia de 2008. Foto de origem desconhecida (internet).  

O arquiteto Oscar Niemeyer esteve exilado na Europa entre de 1966 e início dos 80. Estes 15 anos provavelmente foram com muitas andanças pelo velho continente num período de alta efervescência e vanguarda na região. 

Para o arquiteto o recém trabalho entregue de Brasília, cujo o consagrou internacionalmente, conflitava na sua cabeça com sua vertente comunista e idealista que o forçava sair do país pela ignorância da ditadura. 

Tento entender a mistura de política e a arte arquitetura com o que Niemeyer passou. O pensamento de um mestre zen talvez traduza um pouco: “Quando eu digo que este mundo é muito belo, mas ele está em mãos erradas, eu não quero dizer para você começar a lutar contra aquelas mãos erradas. 

O que eu quero dizer é: Por favor, não seja aquelas mãos erradas!”. Niemeyer tem esta essência, observe sua trajetória.


Muitos anos depois, em 2009, fui visitar um escritório de arquitetura em Doha, no Catar, o Diwan Al-Emara Architects. Quem me recebeu foi Tarik Aljeda, um iraquiano de aparência tranqüila e com muita energia já nos seus 90 e tantos anos de vida. 

Engana-se quem acredita que os expatriados iraquianos no mundo árabe são os mais agressivos, ao contrário, possuem fama de pessoas confiáveis, quietas e inteligentes com forte personalidade. 

Era o caso do arquiteto. Na parede da sala de reuniões, as fotos de obras grandiosas no golfo, mostrava suas credenciais de projetos de alto nível. A que mais me chamou a atenção era o edifício em Doha, o Al-Hitmi. Ângulos e balanços ousados, gostei.


A reunião corria com naturalidade e como toda reunião chegou aquele momento das amenidades. Perguntei sobre como era um iraquiano trabalhar no Catar e ele respondeu com tom amistoso: “Aqui estou bem, mas eles estão destruindo o meu país...”.

As entrelinhas queria dizer algo mais: “Quando se fala de Iraque já se pensa em guerra e destruição, este é o estigma, estou aqui, em paz, mas meu coração está lá... onde estão acabando com tudo.”.


No desenrolar da agradável conversa chega o momento de falar do Brasil. “E como anda o Niemeyer?”, pergunta Tarik . Respondi, naturalmente com muito orgulho, que ele havia passado dos 100 anos e continuava traçando curvas e tudo mais. “Conheci Niemeyer em Londres, na década de 70”, completou Tarik com um ar de saudade do velho amigo. “Sua suavidade ao falar encantava. Grande homem e amigo o arquiteto das curvas...”, concluiu.


Foi bom conhecer o iraquiano Tarik e ser brasileiro como Niemeyer, compartilho com vocês nestas palavras a experiência. 

O mundo é belo por que existem pessoas belas como eles, que mesmo ao longo dos anos de momentos difíceis, são seres que se sincronizam entre si e produzem um mundo melhor, longe das boçalidades de mãos erradas.

A Logística da Sustentabilidade Ecológica e Você.

// Crônica publicada no jornal Folha de Tiête, interior de São Paulo em algum dia de 2008. Charge Pinterest, Tom Toro.  




Algumas palavras entram em moda e depois somem. Ecologia, por exemplo, foi termo muito usado na década de 90, talvez pela influência da já esquecida ECO 92 no Rio de Janeiro, que tinha o objetivo de alertar o mundo da união do desenvolvimento econômico com a proteção e conservação do meio ambiente. 
Lembrando que meio ambiente é outra expressão que está sendo facilmente substituída pela mais famosa da atualidade: A sustentabilidade, que é mais completa e tem mais sustância, como falamos no interior.
Logística veio pra ficar. Não a logística de origem grega, logistiké, que tá mais para a aritmética e a lógica dos números, e sim a francesa logistique que une transporte, armazenamento, distribuição e, segundo o Aurélio, é parte da arte da guerra e seu planejamento. Descobri isso em minha pesquisa para este post e é interessante notar como a palavra foi readaptada para os nossos tempos e é muito bem empregada no nosso cotidiano.
Afinal, como a sustentabilidade pode fazer parte de nossa vida, seja na construção civil ou na compra de produtos em geral?
O conceito de algo que pode se sustentar por si mesmo será mesmo possível?  O mundo conseguirá se auto-resolver e atingir um continuum para nossa sobrevivência futura?
Perguntas demais de filosóficas para uma realidade paradoxal que vivemos na prática.
Primeiro temos que entender que a sustentabilidade está ligada à cadeia logística produtiva, e que nós participamos deste processo como personagem principal em algum momento. O que nos torna responsáveis em pequenas atitudes para que o todo funcione. 
Segunda e triste notícia é que infelizmente dependemos de órgãos públicos reguladores, supostamente responsáveis pelo todo, para transformar a ideologia em realidade.
Na arquitetura o uso de materiais e soluções sustentáveis são mais caros e penalizam o comprador final consciente que tem a intenção de consumo, acuando o arquiteto que tem o interesse em especificar, criando um ciclo teórico que não funciona.
Medidas de incentivos a empresas são necessárias para tornar o produto final economicamente mais atrativo para a compra forçando novos investimentos no próprio conceito e assim por diante.  
Caso contrário esqueça toda essa falácia. Aliás, falácia é uma palavra do latim fallacia que tem dois sentidos apropriados a este contexto. O primeiro é de enganador, afirmação falsa ou errônea. O segundo é um substantivo feminino que vem de falar, falatório, ruído de vozes.
Fica minha torcida para que o conceito sustentabilidade não fique só no falatório e não caia em desuso em breve. Torço mais para isso do que para a seleção na Copa de 2014. A comparação é uma provocação para que não entremos na ilusão do momentismo. Acabo de inventar uma palavra, será que pega?

As meninas do Sex and the City também foram lá de Marrakesh.


// Crônica publicada no jornal Folha de Tiête, interior de São Paulo em algum dia de 2008. Charge New Yorker.

José Antônio Baggio e Francisco Uliana diziam que seus pisos de madeira eram de Tietê para o mundo. Na época, ninguém pensava em exportação no Brasil e ao longo de seus 40 anos de história, a empresa fez obras emblemáticas como o Vaticano, as lojas Louis Vuitton entre outros projetos importantes ao redor do mundo.
Pois bem, hoje podemos complementar esta frase dizendo que os pisos da Indusparquet são de Tietê para o mundo e também para Hollywood. Constatei isso vendo o trailer do recém lançado filme Sex and the City 2, em que as meninas Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha chegavam em luxuosas limusines a um hotel com uma enorme fachada que me pareceu familiar a princípio, e com um pouco de pesquisa na internet comprovei que era mesmo o Mandarin Oriental Jnan Rhama, onde estive ainda em construção e fechei o contrato de fornecimento do piso. 
Tempos atrás escrevi um artigo com o título “Como Fui lá de Marrakesh” contando o acaso de como fui parar no Marrocos.
O roteiro se desenrola em Nova York, base também para a série, até que Samantha leva suas amigas de acompanhantes em um trabalho de relações públicas para um xeique árabe para promocionar seu mais novo hotel em Abu Dhabi. Supostamente o hotel ficaria também em Abu Dhabi, porém devido a algumas restrições locais nos Emirados Árabes com relação a figurantes (só haveriam indianos e filipinos disponíveis) e às cenas ousadas que poderiam ferir aos princípios islâmicos, preferiram fazer no Mandarim Hotel. 
A tradição de 75 anos do Marrocos em cinema também foi determinante. Não se leva uma produção inteira de Los Angeles para um lugar destes. Precisa-se de locais como técnicos de som, figurantes experientes, tradutores, cozinheiros, etc.
As cenas marcantes das seculares ruas estreitas do mercado é um ponto alto do filme. É como se transportar para a idade média e trombar com os árabes mercadores vestidos em suas túnicas azuis e chapéus-de-coco de crochê na cabeça. 
Você se perde no emaranhado de vielas e lojinhas que vendem de tudo. É possível ver um açougue com uma portinha de 1,5 m e suas carnes penduradas ao lado de uma loja de artesanato de couro. Aliás, a arte marroquina é incrível e espontânea. Fazem tapetes, tecidos, texturas e trabalhos com madeira com uma simplicidade que espanta a sofisticação do produto final.
A arquitetura e a sofisticação do hotel são apaixonantes. O arquiteto responsável é o inglês Stuart Church, designer multimídia que tem como cliente a Jaguar, e que criou todo o conceito do hotel das 1001 noites e caiu perfeito para o filme Sex and the City 2.
Sorte para Miss Priti Paul e Mr. Jaouad Kadiri, donos do hotel que tive a honra de conhecer e me deram a oportunidade de receber-me para um almoço em sua residência dentro do próprio complexo do resort. A decoração, uma mescla das culturas marroquina e indiana, parecia de filme mesmo. E não é que virou filme mesmo. Bom mesmo foi viver de verdade tudo isso. Sem roteiro.

Andrés Carne de Res, Gostilna Skarucna e o Hocca Bar.

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// Crônica publicada no jornal Folha de Tiête, interior de São Paulo em algum dia de 2008.
Outro dia estive no Mercado Municipal de São Paulo e comi o famoso pão com mortadela no Hocca Bar. Estava com um amigo e na fila para ser atendido, isso mesmo, quem foi lá sabe que você precisa esperar em pé para alguém atender seu pedido e depois é outra luta para encontrar um lugar para sentar-se, e conversamos sobre restaurantes diferentes e o que há de especial em certos lugares que os fazem diferentes e únicos.


Lembrei de momento de dois lugares exóticos que estive e de sucesso como o brasileiro. O primeiro foi o Andrés Carne de Res que está nas redondezas de Bogotá na Colômbia (res significa carne de boi em espanhol). 

O lugar, um orgulho dos colombianos, virou ponto turístico no país como nosso Mercado Municipal e já recebeu visitas ilustres como a deusa Shakira e Gabriel Garcia Marques, Gabu como gostam de chamar os colombianos carinhosamente o autor do “best seller” Amor em Tempos de Cólera

Andrés, o criador, um artista plástico hippie iniciou suas atividades na década de 70 com um bar que funcionava apenas nos fins de semana e o atendimento era feito por universitários que estudavam nas proximidades. O artista não parava de criar suas esculturas de barro, metal, pinturas e tudo o que se pode imaginar, em que  pendurava em todos os lugares do bar. 

O lugar foi crescendo e hoje recebe cerca de 2 mil pessoas numa só noite. Recebe famílias, há um espaço de arte para crianças com monitores artistas, e as pessoas dançam salsa e se entrelaçam nos corredores e labirintos de uma arquitetura indescritível.


Tive o privilégio de conhecer o próprio Andrés que por coincidência acomodou-se em uma mesa próxima. Um amigo colombiano me alertou que ele era meio reservado. Sem pensar fui conversar com ele e a recepção foi ótima. 

Comentei que já tinha visitado muitos lugares diferentes e que não tinha visto nada parecido. Agradeci por sua hospitalidade e falei que seu restaurante traduzia a originalidade do povo colombiano.


Depois de encontrar um lugar pra sentar no Hocca e ter me surpreendido com o recheio do pão (quase ½ quilo de mortadela) lembrei de outro restaurante na Eslovênia. Gostilna fica no povoado de Skarucna, próximo à Liubliana, a capital. Neste lugar o cliente não decide o que vai comer nem beber. 

O cliente tem o direito de comer e ficar calado...Na verdade o atendimento é uma grande brincadeira, até teatral, em que o garçom vai sugerindo pequenas porções de comidas diferentes e vinho da casa. 

O espaço que cabe no máximo dez mesas, precisa de reserva antecipada e é sucesso absoluto entre os eslovenos e turistas que por lá passam. Estava com Gabriel, o Gabu da Eslovênia, um venezuelano que casou-se com a eslovena Helena e mora no país há mais de 5 anos.

 Pessoa riquíssima e cheia de vida. Um grande amigo pra eternidade, decidimos isso. Como dois bons latinos fizemos amizade com o proprietário do restaurante e ficamos até fechar a porta.


A conclusão é que em qualquer lugar do mundo, seja na Eslovênia, Colômbia ou em nossa cidade, sempre haverá lugares originais. Normalmente são simples, sem luxo, e tem em comum uma energia inexplicável que nos envolve e extasia. Sempre saímos ébrios.

Como fui lá De Marrakesh

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// Crônica publicada no jornal Folha de Tiête, interior de São Paulo em algum dia de 2008. Foto Trip Advisor.

É verdade, não fui pra lá de Marrakesh, fui lá em Marrakesh, no Marrocos. Corrijo a preposição do título e segue breve nota explicativa. Em Tietê estaria correto o “lá de...”. Quando um amigo chama outro para ir em algum lugar ele diz: “João Barriga, você vai lá de Renato hoje à noite? ”.

Tradução para os não-tietenses. “João Barriga, você vai na casa do Renato hoje à noite? Vai ter festa”. Meu amigo Arnaldo Boca, ascendente de intelectuais portugueses de Braga e estudioso contumaz de línguas escandinavas, latinas e eslavas, poderia esclarecer melhor a origem desta junção de preposição e advérbio de lugar. 

Meu palpite é que vem da linguagem popular dos caboclos daquela região lá do Gavetão. Depois foi disseminada por Cornélio Pires para os urbanos.

Enfim, vou contar como fui para Marrakesh. Era novembro de 2007 e participávamos de uma feira de construção em Paris. Tivemos a idéia de colocar música brasileira no final das tardes nos 4 dias de evento. 

Chineses, ingleses, árabes e de muitas outras nacionalidades se rendiam ao som de Garota de Ipanema e outros clássicos de nossa rica música. Em um dos dias um casal de franceses até parou para tirar fotos e filmar o famoso passe “no sapatinho” executado por um brasileiro mais desinibido, aliás os franceses adoram nosso estilo descolado.


No último dia de feira, já no final da tarde. Todos cansados e já relaxados, aconteceu o acaso. Fui chamado para atender um casal. Ela uma indiana com suas típicas vestimentas, ele um marroquino estilo pop-star, de chapéu. 

Miss Priti Paul e Mr. Jaouad Kadiri se apresentaram e pedi para acomodarem-se. Começamos a conversa e eles comentaram que foram atraídos pela música e estavam procurando alguns materiais especiais para a construção de seu hotel no Marrocos. 

Perguntei se tinham visto algo interessante na feira  e disseram que não. Apenas nosso imponente e alegre estande lhes chamou a atenção e disseram que precisavam de mais ou menos 100 mil metros quadrados de piso de madeira. 

Não consegui segurar meu riso e perguntei: “Tem certeza da quantidade? Não seria em pés quadrados?” Eles confirmaram, metros quadrados mesmo e seria para a construção do seu próprio resort em Marrakesh de nome Mandarin Oriental Hotel. 

A quantidade era para ser consumida em dois ou três anos até a conclusão do interior do hotel e suas as 68 villas (casas de veraneio) ao redor do hotel. Para o primeiro ano seria preciso de 20 mil metros quadrados para a área social. 

“Gostou de alguma madeira?”, perguntei para Miss Paul. Ela: “Ipê...”. Concluí: “Leve este vídeo da empresa e conheça melhor o que fabricamos no Brasil”. 

Comentei com Miss Paul que ela tinha os traços de minha esposa (mostrei a foto de Silvana) e que nosso sonho era mesmo conhecer a Índia. Também falei do meu interesse por meditação e pelas palavras do líder espiritual Rajneesh. 

Ela se encantou pelo meu interesse por assuntos relacionados com a Índia e disse que brevemente manteríamos contato. Não acreditei.


Trocamos cartões e no hotel entrei na página da empresa indiana Epeejay Group, um dos conglomerados mais poderosos da Índia. O grupo formado por bancos e construtoras agregavam a maior fábrica de chá do país.

 Miss Paul era membro da família controladora, filha do patriarca.Voltando para o Brasil enviei um email como lembrança. A resposta veio um mês depois, quando estava em Montreal, no Canadá, um email de Miss Paul dizia: “Você pode nos visitar lá de Marrakesh?”. 

Algum tempo depois estava, lá de Marrakesh no Marrocos com Miss Paul e Mr. Kadiri para concluir a negociação. Acasos da vida.

A Dubai Que Existe Dentro de Nós!

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 // Crônica publicada no jornal Folha de Tiête, interior de São Paulo em algum dia de 2008. Charge NYT, crédito Daniel Stolle.



Meus amigos, meus conhecidos. Neste último ano o mundo tem passado por transformações incríveis e inimagináveis no que diz respeito ao comportamento e o que os efeitos da economia globalizada pode gerar para um país ou uma cidade, como Dubai ou Tietê.

  
Justamente neste último ano  tomei a decisão de mudar para o Qatar no mundo árabe com minha família e criar um mercado novo para o segmento que atuo. Imaginem a responsabilidade e meu aprendizado desde então. 

Neste período o  dólar despencou e as bolsas ídem, provocando um reequilíbrio na máquina financeira mundial jamais visto. Dubai anda em queda livre com mega construções paralisadas e houve uma fuga de capitais, que eram especulativos, que é um transtorno para quem por lá ficou. 

Por outro lado o Brasil com um sistema bancário bem preparado e calejado por uma economia que já passou por tantas turbulências no passado, esteve  bem posicionado e suportando bem as nuances de mercado que tem deixado a economia de países dominantes como EUA e Europa em estado de pânico.


Por que vocês acreditam que os países emergentes são a bola da vez no mercado de investimentos? Por que os americanos tem sua supremacia ameaçada e correm o risco de perder para a China como  número 1 da economia?


A origem da questão é anterior. Nossa sociedade moderna fundamentada  pelo capitalismo, bandeira americana após a Segunda Guerra Mundial, foi baseado no consumismo como valor “mor” para a eterna busca da felicidade através do material e do possuir. 

A sociedade americana se baseou tanto nesta direção que até os sentimentos e emoções viraram pacotes de audiência da mídia, como a recente história do drama vivido pela atriz Farah Fawcet que documentou seus últimos três anos de vida em vídeos que agora são divulgados na tentativa de mitificar a mulher que não conseguiu libertar-se de seus próprios personagens. 

Michael Jackson também entra neste rol de prisioneiros da própria irrealidade que tornou sua vida com o dilema do ser celebridade versus ser humano.


Trazendo isto para Tietê, explico que a Dubai dentro de nós consiste na ilusão que criamos em ter e buscar uma felicidade que nunca a alcançaremos. Vemos isto em pessoas do bairro Povo Feliz que buscam comprar uma motocicleta nova e um aparelho de som potente, assim como vemos em pessoas que conseguiram comprar bens e mais bens para garantir seu futuro e esqueceram de viver seu presente. 

Esse último grupo  são ainda mais infelizes pois chegaram à uma vida de estabilidade financeira e perceberam que sua avareza de nada valeu. Na verdade normalmente sentem inveja de sua empregada doméstica que é mais realizada que eles.


A felicidade não é um bem que podemos comprar, é um estado de espírito que é consequência de nossa atitude do presente. Nosso bem estar é a certeza de uma vida real baseada em relacionamentos e sentimentos verdadeiros enraizados pelo AMOR.  


Aconselho para estarmos atentos para as mudanças do mundo moderno e para não tornarmos prisioneiros de nossas próprias máscaras que temos que usar como imposição de um inimigo oculto que chamam de sociedade.

A pobreza não existe por que as coisas são escassas

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// Crônica publicada no jornal Folha de Tiête, interior de São Paulo em algum dia de 2008. Charge NYT - crédito Marion Fayolle


“Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho. Eles passarão. Eu passarinho!”.

Há tempos estava querendo escrever sobre este assunto e fazer uma correlação entre o curto e profundo “Poeminha do Contra” de Mário Quintana acima citado, com a compilação de um texto indiano transcrito abaixo que nos toca em uma das feridas da sociedade: A avareza e o acúmulo de riquezas. 

 
“A pobreza não existe porque as coisas são escassas, mas porque as pessoas estão armazenando, porque as pessoas são gananciosas. Se vivermos no agora, haverá o suficiente; a terra tem o suficiente para nos dar, mas planejamos para adiante, armazenamos, e então surge o problema.

Pense nos pássaros armazenando... Então alguns pássaros ficarão ricos e outros pobres. Mas eles não armazenam, então não há pobreza. Você já viu um pássaro pobre? Na verdade nem mesmo são vistos pássaros gordos, fracos ou magros. Todas as gaivotas são praticamente iguais; não se pode reconhecer qual é qual. Por quê? Elas desfrutam e não armazenam.

Viva no momento, viva no presente, viva amorosamente, viva em amizade e harmonia, cuide... E então o mundo será totalmente diferente. O indivíduo precisa mudar, pois o mundo nada mais é do que um fenômeno projetado da alma individual.” 
Trazemos este conceito para nossa sociedade, como a avareza presente no nosso dia-a-dia. 

Os avarentos ficam constipados, travados, pois nem mesmo podem jogar fora os detritos do corpo. Possui intestino preso, energia retida; seguram até mesmo sua própria existência e o medo de perder os tornam pessoas enclausuradas em suas próprias neuroses. 

Pensam que no futuro perderão tudo por isso querem que tudo seja revertido a seu favor no presente para acumular suas “riquezas”. Não conseguem ao menos compartilhar a simplicidade e verdadeira riqueza de desfrutar bons momentos com a família. Armazenar é um hábito para eles e supostamente são ricos, mas na verdade são pobres.

A avareza é uma das doenças da alma da humanidade. Ricos são pobres em sua essência e muitos não estão despertos para isso. Acreditam que suas atitudes diárias são justificadas. Escondem-se atrás das máscaras da sociedade como a igreja ou política. Proferem o discurso da ajuda e não tem noção da realidade que os cercam, na verdade a visão de si mesmo é oposta ao que a sociedade os enxerga. São cegos e doentes.

Para concluir, uma parábola: Um monge chega ao mosteiro e vê que dois grupos de discípulos disputam para cuidar de um gato. Sugere aos seus dois líderes que apresentem uma solução para a questão, o que não ocorre. Então o monge coloca o gato sobre a mesa e pega uma espada e o corta em dois pedaços iguais e entrega a cada um dos líderes dizendo: “Cuide cada um de sua parte agora”.

O que diria Galileu Galilei da Galiléia no Catar

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// Crônica publicada no jornal Folha de Tiête, interior de São Paulo em algum dia de 2008. Charge NYT, Andrea Kalfas

Normalmente ligamos  a religião islâmica pelas restrições e leis severas  impostas ao seus povos e seguidores. Logo relacionamos isso ao papel subserviente da mulher nessa cultura e ao extremismo retratado no terrorismo que, em momentos de globalização, gera uma tensão em que o inimigo são os árabes e os bonzinhos são os americanos, a polícia do mundo. Seguimos insistindo em querer achar estereótipos para tudo e todos, principalmente por que formamos nossa opinião pelo que vemos na mídia internacional.

Existe um outro lado que quero mostrar. A religião islâmica conta com mais de 1 bilhão de seguidores ao redor do mundo contando com suas vertentes que vão da mínima parcela de extremistas,  reduto de terroristas, até os mais moderados fiéis, como os países do Golfo, cujo comportamento está mais adequado ao mundo moderno. Traçando um paralelo com o Brasil seria o mesmo que dizer que vivemos todos como nas favelas do Rio de Janeiro em dia de guerra do tráfico, digo em dia de guerra, por que normalmente milhares destes habitantes são trabalhadores humildes que fazem churrasco e vão ao zoológico dar pipoca aos  macacos aos domingos.

Olhando pelo lado do desenvolvimento da humanidade através da história, não podemos esquecer que os muçulmanos foram grandes astrônomos e responsáveis por muitos conceitos matemáticos como a álgebra, por exemplo.  Em seus rituais diários há séculos rezam cinco vezes ao dia virado para Meca (Arábia Saudita), o que prova um senso de direção natural. É sabido também que sua aptidão para o comércio está encravada na sua alma, assim como para os judeus, culturas ideologicamente opostas com comportamentos parecidos. Para se ter uma idéia, um dos quesitos para conseguir visto para Dubai é que não tenha em seu passaporte nenhuma passagem por Israel. 

É interessante notar que a astronomia sempre esteve ligada à religião. Nossa instituição católica condenou Galileu por afirmar, e provar, que a terra, de forma arredondada, se movia em um sistema heliocêntrico (ao redor do sol). E como dizia Galileu Galilei da Galiléia, malandro que é malandro não “bobéia”... Não teve jeito neste caso, ele foi condenado ao martírio pela igreja. Curioso é que a terra já era considerada de forma arredondada pelos egípcios há mais 3 mil anos. A comprovação do que já sabiam há milênios está na mais óbvia observação que podemos ter todos os dias. Basta olhar para a lua e suas fases e reparar que ela  reflete a sombra da terra em sua superfície. Então, como ela poderia ser quadrada?

Esta semana me senti como na época de Galileu. Entrei em um grande "bookstore" aqui em Doha no Catar e me encantei a princípio com a quantidade de publicações. Em seguida perguntei ao atendente, que normalmente é filipino ou indiano, neste caso me atendeu um filipino muito simpático, onde ficava a seção de espiritualidade. Buscava algo de budismo e meditação. A resposta foi que não havia nada em filosofia, religião ou espiritualidade além dos livros sobre o islã. Enfim, nada é perfeito.  No momento meu senso crítico não me deixou de fazer alguns questionamentos em voz alta. Por que eles são tão restritos à liberdade de expressão e tão abertos ao culto aos símbolos dos deuses astronautas modernos?  Sabe quais são? Louis Vuitton, Rolex, BMW, Cartier, Mercedez...

Minha conclusão é que, seja o fanatismo moderno pelo consumo, que é alimentada para um preenchimento sem fim do ego (a maior doença da humanidade), seja o fanatismo religioso que cria e recria regras absurdas e motivos até para matar, ambos caminhos estão equivocados por que nos cegam da realidade, e não nos permite ver coisas tão claras diante de nossos olhos como a sombra da terra na lua. O pior é que tem gente que ainda acha que a terra é plana. O que vamos fazer! Sugiro a meditação.


No Reino da Dinamarca, com a rainha.

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Crônica anacrônica publicada neste blog em 2005 na sessão Anacrônicas. Charge de Chico Borges.

Segunda-feira, 7 horas da manhã de um dia qualquer de junho de 2001. Estávamos no lugar combinado, um barracão de estrutura de madeira e telhado velho. Era o primeiro dia de trabalho. Impossível não sentir aquele frio na barriga típico de estréia de teatro amador. O que nos esperava? Como seria o trabalho? Quem trabalharia conosco? Estas eram algumas perguntas que fazíamos antes e que estavam prestes a serem respondidas.

De repente começaram a chegar outras pessoas que aparentemente não eram dinamarqueses, e todos nos reunimos em torno do Sr. Henning. Ele falava em um inglês meio atabalhoado e se dirigia principalmente a um rapaz loiro, alto, mais ou menos de minha faixa etária que logo recebi o comentário de Juan: “Él es polaco”. Esse era nosso líder.

Praticamente seguimos o fluxo dos outros e fomos para outro barracão onde cada pessoa pegou seu macacão verde e botas negras tipo sete léguas. Demoramos mais que os demais para encontrar o tamanho ideal das botas e a falta de prática para colocar o macacão nos deixou para trás. Os outros já tinham ido e apenas nosso líder polonês nos esperava com expressão de sorriso amarelado e de complacência com os novatos

Finalmente terminamos e seguimos apressadamente o chefe que em seguida deu um par de luvas para cada um e disse “gloves, gloves. Let’s go!”, “luvas, luvas, vamos nessa”.

Chegamos a um trator onde havia pranchas estofadas com napa e parte das pessoas que estavam reunidas conosco anteriormente no barracão, estavam sentadas sobre elas, apenas esperando os novatos atrasados. O polonês tomou seu posto de motorista e percorremos um bom tempo por entre cultivos que não sabia exatamente o que eram. O trator pulava e ninguém sequer comentava uma única palavra. Quebrei o silêncio perguntando para Juan: “Que será que vamos fazer em cima destas tábuas?”. Falei em português sem me dar conta. Estava aéreo com a situação e um pouco confuso. Juan me sorriu com uma expressão de dúvida sem dizer nenhuma palavra.

A resposta veio em instantes. O trator parou em uma rua da lavoura, e todos se deitaram de barriga para baixo nas tais pranchas e colocaram o rosto por entre uma fresta que havia em uma das extremidades. Fiz o mesmo e percebi que eles colocaram as luvas. Repeti a ação. O trator começou a andar e não sabia o que fazer. Olhei do lado e os outros tiravam algo. Comecei a arrancar freneticamente tudo o que via quando o indivíduo que estava ao meu lado começou a gritar: “Stop, stop, stop...”

O trator imediatamente parou e o líder polaco se dirigiu ao meu vizinho de prancha e começou a falar em uma língua do tipo “sheve  shev hac haec”. Sem entender exatamente o que se passava, o polaco desta vez se voltou a mim e disse em gestos o que me parecia o que teria que fazer. Continuei sem entender. Como um gesto explica melhor que mil palavras, vi que o vizinho, também polaco, tentava me mostrar algo com as mãos, simulando o modo correto. Foi aí que percebi o que era o meu trabalho na Dinamarca. Ele tirava os espinhos e ervas daninha entre a plantação de algo que havia sido semeado há poucos dias.

Como era uma fazenda ecológica o trabalho consistia em tirar manualmente as impurezas do plantio, já que não havia utilização de inseticidas nem nada de químicos. O cultivo era de alho-poró, mas havia plantação de brócolis, cenoura e trigo. Éramos a mão-de-obra barata de férias que vinha para suprir a falta de dinamarqueses para este tipo de trabalho.

Consegui, enfim, descobrir o que tinha que fazer. Apesar de mais uma vez atrasar todo grupo, agora o trator andava livremente por entre as ruas de alho-poró. Tínhamos um descanso de segundos, nas manobras do líder polaco quando se terminava um caminho, e se recomeçava o outro ao lado, um oito sem finito.

Ali, olhando para baixo e fazendo os movimentos repetitivos de tirar coisas ruins da plantação, minha fronte se acelerava cada vez mais e os pensamentos brotavam como as sementes de alho-poró. Tentava entender o que os polacos falavam entre eles. Os xingava com nosso arsenal de palavras grotescas, e eles nem se importavam. Sensação boa, desafiar um homem e ele ficar quieto.  O motorista-chefe, com seu “status quo” e alta classificação  hierárquica, ria e contava piadas aos demais compatriotas, enquanto isso todos seguiam de cabeça pra baixo e fazendo de conta que tudo era normal.

O trator seguia por entre as ruas de alho-poró e já havia perdido a noção de quantas horas já estava naquela posição e executando os mesmos movimentos. O corpo já estava adormecido e não mais sentia minhas mãos. Tinha que falar com alguém.

“Juan, não haverá um intervalo para o descanso? Ou vamos até ao almoço diretamente?”. Sem deixar-lhe responder, concluí: “Acho que teremos um longo intervalo, depois vamos descansar como homens de uma verdadeira democracia... Você não acha que merecemos uma sesta bem longa como  “los cabrones españoles?”.

“Flavio, estou vivendo um sonho! O que nós estamos fazendo aqui!”. Respondeu Juan já acrescentando a pergunta chave naquilo tudo: “A gente não veio para trabalhar empacotando cenoura?”

Enquanto o trator seguia sua rota em círculos até lugar nenhum, um estalo me fez pensar em um paradoxo que me começou a martelar o intelecto, e se juntava a pergunta de Juan que ainda continuava gravada.

Estaria eu em um dos países mais desenvolvidos do mundo. Um país nórdico de tradição secular em organização e respeito aos direitos humanos. Era assim que havíamos aprendido na escola, nas envolventes aulas de geografia em que o professor nos citava os exemplos de tal civilização avançada. Então por que nos mentiram? Será que nos haviam fisgado dizendo que seria um trabalho simples e depois nos tratariam como escravos em trabalho pesado?

Na verdade estava me sentindo um criado diante da humilhação de ficar de cabeça para baixo sob as ordens de um líder comunista. Onde estaria afinal? Seria aquilo um sonho como disse Juan? Onde estaria a consideração dos escandinavos instruídos aos trabalhadores estrangeiros?

Resolvi então, imaginar passagens boas da minha vida. Minha infância começou a borbulhar em lembranças de quando eu morava em Buritama, na Gleba 10 (cidade do interior de São Paulo). Com dez anos de idade, residia no número 51 de uma das casas pré-fabricadas destinadas aos barrageiros da Usina Hidroelétrica de Nova Avanhandava. Nas proximidades havia a lagoa e o campo de futebol municipal.

Lembrei no dia em que eu e meu amigo Esquerdinha fomos fazer o famoso peneirão para formar o time infantil da cidade. O campo era grande e rodeado de eucaliptos. O gol era três vezes maior que a garagem das glebas que usávamos como traves.

Dividiram em quatro campos menores e a trave grande não foi usada. Em seguida colocaram traves menores que ficaram proporcionais às que já estávamos acostumados. Um alívio.

Um homem alto de cavanhaque com um monte de camisas na mão chamou todos para o centro do campo e começou a perguntar qual a posição de cada e dependendo da resposta dava uma cor de camisa. Esquerdinha e eu estávamos apreensivos. Éramos os dois mirrados, magros que apareciam os ossos quando sem camisa. Compartíamos o mesmo sonho de todos moleques daquele peneirão.

O treinador começou a se aproximar de nós e nossos olhares e ouvidos se dirigiam às palavras do homem que decidiria nosso momento de glória ou de fracasso.

“Garoto, que posição você joga?”. Perguntou para Esquerdinha em tom autoritário. “Em qualquer posição”, respondeu ele.

“Então joga no banco,” completou o treinador duro e conclusivo numa clássica tirada de futebolês. Com certeza ele não teve a menor ideia do que fez para o rumo da vida do Esquerdinha.

Meu coração acelerou. Era a minha vez.

“Você, de pernas tortas como o Garrincha, que posição você joga?”.

“Sou meia-direita professor”. Respondi sem titubear. “O Garrincha era ponta-direita”, concluí. Ele me deu um sorriso aprovador e me deu uma camisa. Uma emoção forte me tocou. As pernas tortas afrouxaram e pensei: “Passei no primeiro teste”.

De volta a Dinamarca e extasiado diante da prazerosa recordação, fomos interrompidos com a chegada de Henning, o senhor feudal. Sua expressão era de alegria e excitação. Convidava-nos a parar o trabalho e ir para algum lugar que não entendemos onde seria, mas que parecia realmente muito importante. Estava tendo alucinações, pensei.

No caminho Juan perguntou para um polaco para onde estaríamos indo. Constatou que ele não falava inglês, percebendo a dificuldade de comunicação o líder-motorista e comunista se aproximou dizendo:

“The queen of Denmark. The queen is here…”. “A rainha da Dinamarca está aqui”.

Descobrimos. A ilha de Æro havia acariciado à sua rainha uma casa de campo nas proximidades da fazenda da família Henning. A rainha Margarida II da Dinamarca em pessoa estava por ali para receber o presente e dar início oficialmente às reformas, já que a residência havia ficado por anos sem uso.

Logo no primeiro dia de trabalho estava prestes a estar perto do que seria a  mais ilustre e nobre pessoa que jamais conhecera em minha vida. Também seria a mais célebre personagem do país da atualidade. Um misto de alegria e sensação de privilégio único para um brasileiro do interior dos interiores me tocou. Eu, um humilde plebeu, estaria diante de alguém da realeza de sangue azul, além do mais, de uma cultura centenária.

Depois de uma caminhada dificultada pelas botas e macacão, chegamos ao local do encontro.

O policiamento com motos Gold Wind e capacetes que tinham comunicação via rádio me chamou a atenção logo de entrada. Como as roupas nos identificavam claramente como “farm workers”, trabalhadores rurais, pensei que seríamos vistos com olhares diferentes.

Enganei-me, nunca havia me sentido tão à vontade quanto naquele lugar. Mesmo as pessoas vendo nitidamente que nos tratávamos de estrangeiros e trabalhadores rurais, nos viam sobre outro prisma. É o que senti naquele momento. Provavelmente nos enxergavam como estudantes que vieram conhecer seu país, cultura e que jamais roubariam um emprego de qualquer dinamarquês. Também com aquela língua, quem iria aprender e depois vir a concorrer com um local?

Os policiais a postos, a plateia ansiosa com a chegada da sua majestade e, de repente, surge um conversível no fim da linha que separava os populares, que não se contiveram e começaram a aplaudir. O carro parou, de chapéu florido e roupa leve de verão com tom pastel, a soberana e sua altivez comum aos grandes nobres, pousou seus pés na serena e pequena ilha de Æro. Aquele momento era marcante para a população local que se sentia orgulhosa de receber a Rainha Margarida II vivinha ali. O presente da casa talvez fosse um intento de trazê-la à ilha. E assim o conseguiram; lá estava ela em carne e osso. E eu, um agraciado por estar ali naquele instante. Desfrutava cada segundo.

Meus olhos brilhavam diante do entorno em que estava. Dinamarqueses reverenciando sua alteza e um brasileiro ali, no meio da multidão, também se curvando perante a nobreza da grande rainha.

Seu semblante majestoso parecia reluzir algo que não conseguia decifrar, apenas sabia que o que via era agradável aos olhos. Uma mulher em que cada gesto ou sorriso era suave e delicado como o movimento dos campos de trigo pelo vento que havia visto no na chegada pela janela do ônibus. Quão adorável figura estava diante de mim. As pessoas se entreolhavam e comentavam, eu apenas observava.

Imaginava quanta cultura concentrava essa magnífica pessoa. Sua formação musical, línguas, viagens pelo mundo e conhecimento de pessoas importantes como filósofos e líderes. Talvez ela tivesse ido já para o Brasil e conhecido nossa cultura rica e adversa. Como sempre haveria se encantado com o samba, carnaval, Rio de Janeiro... A São Paulo cosmopolita e desigual ou a Bahia popular e de cultura densa.

Quizá Jorge Amado a tenha recebido em Salvador. Teria orgulho se isso acontecesse. Sua originalidade me inspira e me remete à um poço de orgulho de ser brasileiro. Me comovi especialmente em Tieta do Agreste, a Pastora de Cabras ou a Volta da Filha Pródiga. Já estava na Espanha quando o li, pesado e com muitas páginas, tive dúvidas para colocar na mala na viagem do Brasil. Tive sorte.

Nas tardes de frio no apartamento apertado em Segóvia, na Espanha, lia por horas e horas o romance, sempre com paradas para uma mirada pela janela, transportando-se para o Mangue Seco e mergulhando na fartura de detalhes de cada personagem que me impressionava a cada página. Todos pareciam ter o papel principal da estória onde Carmozina, Osnar, Perpétua, Cardo, além da própria Tieta, a pastora de cabras, se entrelaçavam em intrigas com o característico humor sensual do baiano.

Certa vez, compenetrado na leitura e me sentindo parte de Santana do Agreste, lembro perfeitamente de ter me emocionado no metrô em Madri, indo para a faculdade. Em suas minuciosas descrições de gestos e comportamentos humanos, me senti por um instante parte da estória do notável Amado. Senti-me mais brasileiro que nunca e com os olhos cheios de lágrimas tentava me esconder dos outros passageiros. O que não era muito difícil, pois a maioria das pessoas também estavam seus jornais, revistas e livros...

De volta à realidade, tive a sensação de fazer parte da história da ilha de Æro, da cidade de Søby e do reinado da soberana Margarida II.

Voltamos diretamente para o almoço. Pela entendemos o que aconteceria nos próximos 3 meses, com 12 horas de trabalho diário com 30 min de descanso de almoço. Também outra informação interessante. O nórdico país tem seu sistema tributário com 50% de imposto fixo em tudo, ou seja, nossas 12 horas de trabalho eram a remuneração esperada de 6 horas.

Os 3 meses foram intensos e inesquecíveis, aprendi mais de mim e encontrei um lugar de energia em meu ser, que jamais havia experimentado antes.

5 x 5 Madeira e Tendências

5 tendências do uso da madeira na construção civil nos próximos 5 anos no Brasil. # 1 AS ESTRUTURAS EM CLT ,   um material composto de ca...